sábado, 13 de novembro de 2010

Lusitania 2011

Diz que a crise é económica. Pois bem, eu acho que é pior do que isso. É uma crise de valores, sem que nisto me ache dotado de uma moral superior. A verdade é que só fomos abastados com as riquezas roubadas em nome dos descobrimentos. Tudo o resto é a história de um país em que alguns vivem muito bem e os outros sobrevivem. A nossa história recente, quantas vezes ocultada dos livros da escola, é de um país comezinho e acomodado a uma ditadura light porque, em boa verdade, somos assim. Acomodamo-nos ao que nos impõe, temerosos que somos do jugo do poder. Nasci na "lua-de-mel" pós 25 de Abril e cresci empurrado nos subsídios europeus que, dizem, enchia os orçamentos cavaquistas e o país dos chico-espertos com uma sensação de riqueza que nunca existiu. Abatemos barcos de pesca, abandonamos os campos às intempéries, urbanizamo-nos deprimentemente, criamos fileiras clientelistas nos partidos que nos governam e demos créditos ao desbarato. Mas nunca, como agora, a desesperança nos que nos governam foi tão grande. E nos que se nos propõe governar. Habituados a um certo estilo totalitário, os nosso políticos insistem no não sacrifício pessoal e na perpetuação do estado de coisas, talvez por necessidade pessoal ou por comodismo pessoal. Os que nos governam, buscam nas venezuelas e chinas, bastiões da democraticidade, soluções que não encontram dentro de portas. Um país de memória curta, o nosso. Ao fazê-lo, a "esquerda" (?) sacrifica o argumento usado até à exaustão do cravo na lapela, da liberdade para a qual contribuíram, das conquistas do 25 de Abril. Perde-se a moral por um punhado de euros em negociatas com regimes que envergonhariam aqueles que deram o seu melhor por uma democracia lusa. A verdade é que nos prometeram um país moderno, desenvolvido, uma nova vaga de desenvolvimento, uma nova ordem de valores que valeu maiorias governativas mas que não tinha substância alguma. Os sinais de clientelismo, cunhas, desgoverno e mau governo, intromissão nos órgãos de comunicação social, políticas de show off foram mais que muitos. Que bom seria termos uma oposição credível. Desenganem-se. Do outro lado não se prevê nada de muito melhor. Depois de uma enorme travessia no deserto e de estar partido em facções autofágicas, o maior partido da oposição apresenta-se num estilo socrático à americana, por vezes mais parecendo a outra face de uma mesma moeda. Poderemos ser (bem) governados por quem cresceu nos aparelhos partidários? Não me parece. Está bom de ver que quem faz vida nas juventudes e carreira nos partidos se desliga do país real e passa a depender das vitórias e a viver em sua função. Esta demasiada dependência sacrifica o bem comum. Sobra-nos a sociedade civil e meia duzia de políticos com provas dadas. Os primeiros, ou já emigraram ou não querem perder o seu tempo em joguetes para os quais não fizeram escola. Dos segundos, lembro-me talvez de rio e da sua primeira pouco provável eleição e da coragem desafiadora perante o "poder" musculado da bola que se afirmava como dono das portas da cidade. Poucos mais sobram até porque os carreiristas tendem a perpetuar-se. O próprio PR, ao recandidatar-se, perde o papel moralizador que se lhe exigia, pois todas as palavras serão lidas em função das eleições. À sua esquerda, há uma espécie de eleições dentro das eleições, multiplicando-se os candidatos, como se Alegre e o seu salto de liberdade para fora dos supostos partidários fosse gesto imperdoável. Perde-se a autenticidade eleitoral, o respeito pelo eleitor por querelas que parecem ser outras. Assim vamos nós, rumando a 2011, onde a única coisa que se prevê de bom é o FCP ser campeão!

domingo, 26 de setembro de 2010

O desnorte

A colega Ana Jorge, que além de pediatra é ministra da saúde, entrou na longa colecção de ministros que diz dislates em questões técnicas que devia dominar. Em entrevista à Sábado li a frase de sua autoria 'Os meios complementares de diagnóstico (MCD) de rotina têm de acabar'.

É verdade que o SNS gasta (ou utiliza) muito dinheiro em MCDs. É verdade que muitas vezes estes são desnecessários. É verdade que há muito espaço para ganhar eficiência nesse campo. Mas...

1. Ouvir de uma médica que os MCDs de rotina têm de acabar é impensável. Há muitos MCDs de rotina que têm indicação clínica, que comprovadamente têm eficácia. Vamos ter de deixar de fazer papanicolaus às nossas doentes? Mamografias de rastreio? A Dr Ana Jorge vai desaconselhar o 'teste do pezinho' aos seus neonatais doentes?

2. Sim, há muitos MCDs que eram escusados. Mas quem está a levar a medicina a basear-se neles é o ministério, com os sucessivos ministros e governos numa lógica de produtividade com base em números de consulta e afins. Quando os médicos de família têm de ver uma agenda com imposições superiores de quem não percebe do ofício, é muito mais fácil pedir um RX ou um urograma em vez de investir um bocadinho mais de tempo a fazer um exame físico mais pormenorizado e 'perde' um bocadinho de tempo a explicar a situação (a dar confiança ao doente do porquê de não se pedir exames nem prescrever uma carrada de medicamentos). Mas esse tempo de qualidade não é transponível em indicadores, e é isso que move o mundo hoje em dia.
Para um médico num serviço de urgência caótico (e estão caóticos pela destruturação das equipas, pela contratação de pessoal avulso) que veja um doente com um problema neurológico, é muito mais fácil pedir um TAC e pedir à máquina que veja o que tem o doente que fazer um pormenorizado exame neurológico.

3. Com a empresarialização dos hospitais, nomeadamente dos universitários, o exemplo dado às camadas jovens (alunos e recém licenciados em medicina) é de uma medicina baseada nos MCDs. Pior que boa parte da classe médica utilizar os MCDs como base da sua medicina é não saber fazer outra coisa. Agora, ainda há ponto de retorno.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Papa

Ainda bem que Portugal é um estado laico, democrático e com concorrência televisiva. Nos 4 canais em canal aberto, 3 transmitem o papa. Com a mesma imagem. Isto é que é concorrência...
Não ser poderá fazer uma queixa para a ERC? Ou para a autoridade da concorrência por cartelização? Será que cada um dos canais se recusava a transmitir se não garantisse que os outros também o fariam?

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

moledo

O vento trouxe-me de volta à areia que me arranhava a alma. O mar, sobressaltado, empurrava-me para o abismo dos rochedos recortados pelo chicotear das ondas. O moinho debruçado na duna recortava a neblina como um velho sabedor que observa com um desinteresse aparente os enredos que o destino lhe descobre da manta de areia. Ao longe, adivinhava a Ínsua. Serena e soberana do rio e do mar, da montanha e da praia, das gentes, dos barcos e da memória. Adivinho as formas das gentes de veraneio, os vaidosos e as sereias, os homens das cartolas e as mulheres de alma carpida transvestidas a ouros e opulências. E vejo o deserto no mar. É inverno em Moledo. O céu coberto de nuvens carregadas que abraçam a paisagem do alto do monte de santa tecla até ao mar, parecem inofensivas e doces. As vagas rebentam num suave rufar que me entorpece os sentidos. Perde-se de vista o mar e perco-me do tempo porque aqui não existem essas tiranias dos tempos modernos. Beijo-te. Beijo-te porque Moledo é isso. Moledo é um beijo parado no tempo, quente e fugaz no verão e quente, eterno e terno no inverno. É um beijo sem pressa porque não tem hora marcada nem para onde ír, preso que está entre a montanha e o mar. É um beijo que dura o tempo de uma maré. É um beijo que volta. Sempre. É o mesmo beijo que te guardo quando voltares na volta da maré agora que partiste para os quotidianos que te amarram e sufocam. Aqui, eu vou-te sempre beijar. Um beijo livre e desinteressado. Moledo é isto.