terça-feira, 30 de junho de 2009

Questões para debate

O nosso colega Gilson encontra-se em greve de fome no serviço de Cardio-torácica do Hospital de São João. Não querendo entrar em debate sobre a motivação ou mérito deste caso específico, creio que devíamos aproveitar o caso para uma reflexão profunda sobre carreiras médicas, estatutos da Ordem, normas disciplinares e afins.

Na carreira pós graduada todos sabemos que há especialidades mais exigentes e especialidades menos exigentes. Cardio torácica é exemplar na exigência. Horários absurdos, níveis de stress monumentais, obriga a uma resistência psicológica imensa. Quem para lá vai sabe que entrou num sacerdócio. Todos menos um, que vem pedir o cumprimento escrupuloso do horário de trabalho. Tem esse direito? Sem dúvida que sim, pelo menos do ponto de vista legal. Mas será lícito numa especialidade com cirurgias de duração imprevisível ter alguém que quer ter horário de função pública (das 9h às 17h)? Será descabido os internos serem levados à sua capacidade máxima, sempre acompanhados por séniores, de maneira a quando quebrarem alguém segurar as pontas? Ou deverá ser apenas mais um posto de trabalho em que a planificação deve prever gente suficiente para que às 17h o cirurgião seja substituido no bloco? É a própria especialidade que abre poucas vagas e cultiva o espírito de inacessibilidade à carreira. Mas será isto um resultado da exigência, ou a causa?

Nos estatutos da Ordem não existem mecanismos de guiar os recém-formados para que escolham especialidades para as quais tenham capacidades. Apenas são seriados pela capacidade de marrar o Harrison. Sempre imperou o bom-senso, em que os candidatos sabem as suas limitações e para já ainda não tivémos nenhum paraplégico a 'concorrer' a uma vaga de cirurgia, mas nada o impede. Felizmente os colegas com limitações, têm noção delas e direccionam-se para especialidades onde a sua deficiência não seja um handycap. Mas numa altura de crise, até para o bom senso, a Ordem devia criar mecanismos para evitar situações desagradáveis.

Ainda lanço a debate se um responsável por internato pode e/ou deve aconselhar os internos a sair da especialidade por subjectivamente não ter jeito para a arte. O papel do tutor é essa mesmo, picar para estarmos alerta, pressionar para darmos o melhor de nós, levar-nos aos 110%, e também com sinceridade dizer-nos que não temos estofo para a coisa. Mas mais uma vez, não temos muitos mecanismos para que tal se passe.

Em vez de assobiarmos todos para o lado a ver se o problema não cai no nosso jardim, vamos aproveitar o problema criado pelo Gilson e tirar qualquer coisa de produtivo.