quarta-feira, 25 de abril de 2012

Triste 25 de Abril

Foram 40 anos de ditadura. E não era a ditadurazinha com que há distância do tempo se procura com alguma cosmética branquear a ausência de liberdade, os homicídios, as torturas e perseguições, as eleições fraudulentas, a diáspora forçada e a riqueza opulenta dos amigos do regime. Era uma Ditadura de "D" grande e maiúsculo por muito que a sua retórica assentasse na defesa da pequenez de espírito lusitana e na dignidade da pobreza. Um discurso que, aliás, o nosso presidente da república insiste em replicar e que se enquadra bem na linha da "suspensão temporária da democracia" já defendida pela sua Manuela Ferreira Leite. Mas mais não poderíamos esperar de um homem fraco de fibra política, sem ideais que não sejam a sua própria sobrevivência e que a 21 de Dezembro de 1967 se declarava na sua pidesca inscrição como "adepto" confesso do regime enquanto denunciava o próprio sogro pela "vivência" em segundas núpcias enquanto garantia que, com essa gentalha, ele não convivia. Dois anos antes, Humberto Delgado era assassinado por Rosa Casaco, personagem que viria a morrer, tranquilamente, na sua casa de Cascais em 2006. Delgado desafiara Salazar e o seu regime. E estava pronto para o derrubar. É a "fibra" que distingue os homens. E aquele que hoje preside às cerimónias que evocam o derrubar da ditadura e a instalação da democracia nunca a teve e é quase insultuoso à memória histórica de todos os que deram a sua vida por uma democracia em Portugal que tão gelatinosa figura seja o "senhor de cerimónias" de tão nobre data. 
Foram "quase" 40 anos de democracia. Eis-nos com Passos Coelho. Figura de carreira das juventudes partidárias e aclamado primeiro nos escombros do seu quase-gémeo. Ambos das jotas, licenciados aos trintas enquanto ocupam cargos públicos e ambos mais preocupados com a imagem que com o conteúdo. Assustador. De corrente neo-liberal, Passos ainda ensaiou o discurso de "salvação nacional", de "emergência" do estado para a seu coberto iniciar o desmentir das suas promessas eleitorais. Mas, em boa verdade, mentiu. E, de mentira em mentira, vai delapidando o estado social. Aquele que foi a única vitória com tradução concreta para o povo português do 25 de Abril. 

Porque a liberdade é muito bonita como conceito esotérico e subjectivo. Mas não é livre quem tem fome, não é livre quem não tem dinheiro para os seus medicamentos, não é livre quem não tem como pagar transportes de trás-os-montes para uma consulta na "cidade". 

E é por estes não-livres da democracia e em seu nome, em nome de todos aqueles que como o português de Viana do Castelo que ontem morreu, sozinho na sua diáspora, longe da mulher com uma neoplasia da mama em tratamentos constantes no IPO Porto e dos seus filhos, numa emigração forçada por não conseguir suportar as constantes deslocações ao Porto e a renda e o resto das contas, que os que fizeram abril viraram as costas ao menino-bem de Vila Real e ao seu séquito de jovens já reformados.

É que assim não há liberdade.  


PS: o povo de Vila Nova de Anha juntou-se para pagar a transladação e funeral deste português de 35 anos. O corpo chega hoje e vai a enterrar. No dia 25 de Abril. Com ele vai mais um bocadinho da democracia.

Sem comentários: